O cinema francês encontra lugar de destaque nos ecrãs de Portugal. Não raro, temos uma ou mais produções apresentadas no país. No dia 07 de outubro, entrou em cartaz nas salas de cinema nacional o filme “TITANE” da realizadora francesa Julia Ducournau. “TITANE” foi o grande vencedor da Palma de Ouro da 74ª edição do Festival de Cannes e a realizadora Julia Ducournau tornou-se a primeira mulher a receber o prestigioso prémio sozinha, depois de Jane Campion em 1993, que dividiu a Palma de Ouro com o realizador Chen Kaige.

É indiscutível que para grande parcela do público o filme irá chocar imensamente, e será tratado apenas como um turbilhão de ideias desconexas, loucas e violentas para uns, e para outros será um grande, e insano pesadelo. Porém, se tratarmos ele como um grande painel da tragédia humana, poderemos extrair muitas coisas da mente transgressora e fascinante de Ducournau. Primeiramente, pela ótima qualidade técnica do filme, nos é impossível sequer pensar que se trata de um filme ruim ou desproposital – adjetivos que irão fazer parte do vocabulário daqueles que certamente o odiarão com grande veemência -, por contar de forma muito violenta a trajetória de uma serial killer – que tem a sua história ligada ao titânio (um metal altamente resistente ao calor e à corrosão, com ligas de alta resistência à tracção) -, à um pai que busca o seu filho desaparecido há 10 anos.

Não se pode negar que o filme é realmente muito explosivo. É sem dúvida alguma um filme incendiário, em toda a acepção da palavra. Seja ela no campo físico-emocional, assim como no literal. O fogo se faz presente em muitas variáveis. Dentre as referências no filme, me veio à cabeça um turbilhão de imagens como as de Tarantino (Quentin), Uma Thurman e “Kill Bill – A Vingança” (2003), além de “Alien- o Oitavo Passageiro” (1979) de Ridley Scott e “Traídos pelo Desejo” (1992) de Neil Jordan. Precisamos de muitos minutos para podermos começar a penetrar no universo do filme e da realizadora. A primeira impressão que temos é de um imenso choque, sem perceber exatamente o que está a acontecer no ecrã. Somos arrebatados, indiscutivelmente pela direção chocante de Ducournau, pela grande miscelânia do guião de Ducournau, Akchoti, Greggio e Bouzy; pela banda sonora- alta e poderosa – de Fabrice Osinski, Séverin Favriau e Stéphane Thiébaut, pela potente música original de Jim Williams, pelos efeitos especiais de Oliver Afonso-CLSKX Atelier 69 e Martial Vallanchon – Mac Guff, e pela sombria fotografia expressionista de Ruben Impens.

Depois de passado o susto, de todo este caos visual, estilístico e sonoro; e de colocarmos o cérebro em ordem, é possível enxergar o que se encontra embaixo de todas estas camadas. Destas tantas coisas juntas e misturadas, que ficamos durante todo o filme a pensar o que tudo isso quer dizer. É uma sensação bem estranha – e isso certamente é bom -, a de buscar o que todos estes pontos querem ligar. Não é fácil aparentemente, e tão pouco simples, decifrar todos estes enigmas, até certo momento da trama – outro ponto positivo do filme.

Porém, em dado momento, ao ligarmos os pontos, podemos perceber, através das conexões apresentadas, o universo de relação apática familiar em que se encontrava Alexia (Agathe Rouselle) – um nome carregado de significados como o de um transtorno na escrita e imagens, além de ser o nome da inteligência artificial da Amazon -, antes de ligar a sua vida a vida do sofrido e solitário Vincent (Vincent Lindon) – nome próprio do ator. Ambos apresentam um trabalho pungente em suas actuações – ela pela economia e frieza, e ele pela visceralidade. Ambos são fundamentais para chegarmos ao resultado, absolutamente surpreendente diante de toda esta realidade aparentemente inverossímil, vivida pelos dois. “TITANE” é um filme que mistura inúmeras linhas estilísticas: terror, horror, serial killer, carnificina, ficção ciéntifica, sexualidade, gênero, inclusão, amor e redenção. É impossível passar incólume por “TITANE”, diante da realização titânica de Ducournau!

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