Quais são os atos que nos tornam humanos ou desumanos, morais ou imorais, bondosos ou perversos? O espetáculo Retratos da alma brasileira 2019-2022, que estreia dia 5 de outubro, no Teatro Glauce Rocha, no Centro, busca essa reflexão ao adaptar para a cena seis colunas da jornalista Dorrit Harazim, publicadas no jornal O Globo na sessão Opinião, entre janeiro de 2020 e agosto de 2023.

Com idealização e direção de Demetrio Nicolau e dramaturgia de Demetrio Nicolau e Nara Keiserman, a peça põe em evidência eventos de um período que, seja pelas consequências da pandemia ou do governo anterior, trouxe mudanças comportamentais, econômicas e sociais definitivas na história do país e nas relações políticas mundiais.

O espetáculo – selecionado pelo FOCA 2022 – é o segundo projeto do coletivo Delicadas Criaturas, fundado em 2021 pelo diretor Demetrio Nicolau, pelos atores e professores Nara Keiserman e Marcus Fritsch e pelo cenógrafo e figurinista Carlos Alberto Nunes. A ideia do coletivo foi selecionar colunas que partem de um episódio emblemático do período e ampliam a discussão para temas como justiça/injustiça; diversidades/fobias; presas/predadores; e ainda outros que tocam diretamente nossa humanidade/desumanidade: racismo, machismo, classismo, violências brutais, e assédios diversos.

Entre os devastadores casos retratados, estão o de Genivaldo de Jesus Santos, o sergipano abordado pela PRF por andar de moto sem capacete perto de sua casa, em Umbaúba, que é morto asfixiado dentro do camburão no qual os agentes jogaram spray de pimenta e gás lacrimogêneo; o de Moïse Kabakambe, imigrante congolês morto a pauladas na praia de Barra da Tijuca; e os desaparecimentos e mortes do indigenista Bruno Araújo Pereira e do jornalista britânico radicado no Brasil Dom Philips, quando navegavam pelo rio Itaquaí. Na contramão de tantas histórias tristes, o espetáculo também vai lembrar de episódios que resgatam o melhor da nossa humanidade. No elenco, estão Nara Keiserman e Marcus Fritsch (do Delicadas Criaturas) e Dominique Castro, Filipe Gimenez e Ira Rabello (atores convidados).

As colunas de Dorrit expõem as pequenas e grandes tragédias, nosso pobre e grandioso cotidiano, questões culturais, raciais e ainda outras de igual urgência que, nas suas palavras ganham contextualização, subjetividades. E principalmente, para este projeto, uma imensa humanidade. Dorrit relata casos reais, narrados do ponto de vista de quem acredita no que ainda resta da nossa humanidade como possibilidade para construção de uma sociedade mais justa, menos vil, comenta o diretor Demetrio Nicolau.

O coletivo Delicadas Criaturas, como o nome indica, nasceu da vontade de insistir na delicadeza como a marca das relações interpessoais em níveis particulares e sociais. Há a busca por uma cena que toque em temas fundamentais, tratados de forma afetiva, manifestada nos gestos e nas vozes. Leva-se em conta que a possibilidade de tocar e emocionar o espectador requer uma espécie de suspensão, para que se possa escutar mais devagar, pensar mais devagar, de modo a cultivar a atenção e a delicadeza.

O jornalismo narrativo de Dorrit encontra eco no teatro narrativo que o Delicadas Criaturas vem experimentando em suas criações, sendo a Escuta um dos aspectos fundamentais da encenação, explica o diretor. Nesta época das visualidades exacerbadas, da visão contaminada pelas telas dos aparelhos eletrônicos, apostamos na Escuta como possibilidade efetiva de comunicação. Na nossa primeira produção, “A minha nossa voz”, a plateia “assistia” contos de Oscar Wilde de olhos vendados. Desta vez, são criadas personas vocais, com ênfase numa dramaturgia musical que forma uma base rítmica e ambiental para os relatos, completa.

Fotografia Guga Melgar

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