Elefante, que leva a assinatura de Flávio de Souza na criação, dramaturgia e performance; e está em cartaz no Espaço Cultural Municipal Sérgio Porto, aos sábados e domingos às 16h; é um projeto muito ambicioso, e que não consegue se sustentar como um espetáculo teatral, mas sim, talvez, como uma narração de histórias, que poderia muito bem ser apresentada em algum local mais próximo a uma pequena sala, ou uma biblioteca. Um lugar que não precisasse apresentar tantos recursos técnicos de luz, som, espaço físico, como uma sala de espetáculos – já que muito pouco é usado dela.

A começar pelo supervalorizado texto de apresentação do projeto, é possível ficarmos bem alertas na observância de tudo aquilo que iremos ver, e já daí, podemos perceber a miscelânia de propostas e algumas possíveis inconsistências na estrutura dramática da história a ser apresentada: Através de um rico jogo de sombras criadas por luzes, projetor e retroprojetor, Flavio Souza, sozinho em cena, cria um mundo de planícies, montanhas, oceanos e manadas de elefantes. Uma experiência lúdico-sensorial  conduzida por um narrador – um curioso, um cientista ou um historiador – que investiga a viagem de um elefante que se separou de seu grupo em busca do sonho de conhecer o mar. A peça fala da importância de sonhar e desejar para encontrar seus próprios caminhos e produzir novos futuros. E da beleza a ser desvendada na singularidade e na diversidade.

Ao entrarmos no teatro somos recebidos por uma cena de plateia, onde o contador recebe o público – e principalmente os seus convidados, pelo nome. Já, desde o início, conseguimos ver a fragilidade da atuação, e encenação, de Flávio de Souza, que não nos convence, ao dizer-nos que experimentou fazer essa recepção somente hoje, havia ficado nervoso, e que não iria mais repetir essa ação. Nos parecendo claramente uma cena mal estruturada, e com pouco convencimento. Números de plateia não são tão simples de se realizar, ainda mais quando utilizamos o expediente do metateatro. É preciso um ótimo domínio da construção, para descontruir.

Em seguida, fazendo-se valer de um pequeno espaço, vemos espalhados pela caixa cênica: engradados de plástico, ventiladores, telão de fundo branco, um retroprojetor, alguns elefantes desenhados e alguns bonecos de Elefante – facilmente comprados em uma loja de brinquedos. Flávio inicia assim, com esses objetos, a sua narração de uma maneira muito simplista, e muito pouco a vontade. Em que pese a sua figura simpática – ela não é suficiente para nos prender ou nos fazer acreditar neste ato cênico. Assim, não conseguimos ter o dimensionamento do que se passa exatamente ali, pois quem é essa persona que está diante de nós?

Nada nos leva a crer que ele possa ser um cientista ou um historiador, nada. Sobrando apenas a opção de um curioso. E o que quer dizer isso? Um curioso? O que é curioso? O que faz um curioso? Assim como também é curioso se construir uma carpintaria de texto – por Flavio Cafiero e Flavio Souza – onde não se sabe exatamente quem é esse personagem? Uma coisa é você dizer que um personagem pode vir a ser mau, ou bom, ou inconstante, ou dissimulado,…-, e deixar para que a plateia possa tirar as suas conclusões sobre quais são as características fictícias que se destacam nesse personagem – no decorrer da peça -; uma outra coisa é você dizer que ele pode ser um curioso, ou que ele pode ser um cientista, ou que ele pode ser um historiador; pois para cada um deles, deveria o intérprete apresentar algum ínfimo de atuação compatível com tais funções, ou até apresentar em sua indumentária pistas sobre quem é essa personagem – um exemplo simplista, assim como o material apresentado. Com isso, a que nos remete uma pessoa que usa um macacão azul, um tênis e um bigode – em concepção de figurino de Flávio de Souza?

Dito isso, a melhor definição para esse personagem; seria apenas a de um mero curioso – um mero curioso de tudo -, em todos os sentidos, pois Flávio não consegue se desenvolver como palhaço, nem como um narrador, e também não apresenta bom domínio na manipulação de objetos – uma arte milenar. Por conta disso a história não consegue chegar até nós com um mínimo de encantamento, magia cênica ou deslumbramento. Tudo o que acontece em cena fica muito restrito apenas ao campo da sugestão, da narração formal e cerebral, e não da boa realização. Assim. é muito difícil para nós conseguimos entender qual é o conceito pretendido pela montagem, já que é difícil ver nela um espetáculo de teatro, quando a produção não faz uso de quase nada do que o teatro tem de útil, e ainda assim mantém uma luz – assinada por Djalma Amaral – acesa na plateia durante toda a narração, ao mesmo tempo que mantem duas fileiras de luzes de led – nas laterais -, que não parecem representar nada, a não ser um enfeite. Seria uma peça de animação de objetos? Creio que não, pois ele também não apresenta critério de qualidade no manuseio dos elefantes de borracha ou no colocar os desenhos no retroprojetor, ou em colocar apenas abajures para iluminar algumas maquetes de papel.

Sendo, em disparada, a pior opção do projeto a criação de uma linguagem híbrida entre a fala, o gesto, a libra e a audiodescrição; e isso tudo sendo utilizada ao mesmo tempo, e atribuída a Moira Braga, Bruna Gosling, Rosana Prado. Este expediente faz acreditar que se está privilegiando grupos distintos, que merecem a inclusão – e isto jamais está aqui em discussão. O que precisamos dizer aqui é sobre a tamanha confusão que é feita na junção de tudo isso ao mesmo tempo. Além de ser impossível para nós sabermos quando é que é feita uma frase de forma ruim, equivocada ou exagerada, ou se ela é uma proposta de entonação, ou é apenas um separar de sílabas para frisar ao mesmo tempo a palavra e a libra; o que causa um imenso desconforto, e não dá nenhuma cadência ou continuidade as ações e as cenas. O que colaborou para que muitos adultos perdessem o seu interesse, e principalmente algumas crianças – na primeira fila da peça – deitassem e passassem o tempo inteiro dormindo, e onde outra andava pelo teatro sem buscar nenhum ponto de interesse na cena. Algo surpreendente, de fato.

Pelo que eu pude enxergar, todos na plateia pareciam ouvir e falar, e nenhum deles, parecia ter alguma deficiência aparente, ou oculta. Seja ela auditiva, de visão ou neurodivergentes. O que tornou essa experiência bastante incômoda, ao vermos que estávamos assistindo a um trabalho que não conseguia se comunicar plenamente conosco, e nem com as pessoas com deficiência ou neurodivergentes – pois assim, aos pedaços, lhe são omitidos o fluxo total da narração -; e o que fez com que o excesso de inclusão, acabasse por excluir a todos.

O projeto é verdadeiramente recheado de boas intenções, principalmente na louvável pesquisa de inclusão; entretanto, nesta criação atual, forma e conteúdo apresentam muitos problemas de conceito, concepção e realização. Torço muito em poder assistir futuramente o resultado aprofundado dessa pesquisa inclusiva; que se faz mais do que necessária nos dias de hoje.

Crédito Foto: Daniel Debortoli

Serviço na Sessão Tijolinho Rio de Janeiro

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *