A atriz e produtora Marta Paret, há anos vem construindo uma carreira sólida, na investigação de espaços não convencionais para a encenação de seus espetáculos. E não se trata aqui do simples ato de escolher uma localidade em que se possa ocorrer um ato teatral, mas sim, de explorar territórios que carregam em si, suas funções reais, suas bases históricas, forças emocionais e sociais. Assim como o foi em sua produção memorável de Navalha na Carne, que acontecia no Hotel Nicácio, da Praça Tiradentes, no Centro do Rio de Janeiro. Na montagem, Paret utilizava a suíte 107 do inusitado hotel, para contar a história da prostituta Neusa Suely (Marta Paret), do cafetão Vado (Rogério Barros) e da bichinha de bordel Veludo (Rubens Queiroz); e com direito até a pré-estreia para as prostitutas da região, e a ganhar o mundo, ao visitarem a Europa (Portugal) e África (Moçambique). O projeto circulou também por diversas regiões do Brasil e em festivais; durante 8 anos.
A imersão de Paret nesse processo de realização e vivência, acabou por lhe dar experiências e revelações de diversas formas nuas e cruas de nosso mundo real; e que considero como sendo um trampolim para que Paret chegasse nesse seu momento atual do fazer teatral – com uma bagagem carregada de muitos carimbos e passagens (uma prostituta em suítes de hotéis, uma artista plástica frustrada em um ateliê de pintura, e uma moradora de rua, ao ar livre em ruínas) -; e que onde, agora, se proliferam muitos desnudamentos, no teatro do “eu”, que se concretiza através de histórias reais, vividas e sofridas pelos seus intérpretes; ou se usando um subterfúgio de autoficção; para se garantir o mínimo, do mínimo de uma autoproteção expositiva.
É daí que parece nascer, depois de produzir e atuar em Navalha na Carne, Mão na Luva e Sob o Céu, todos com textos de autorias ficcionais de Plínio Marcos, Oduvaldo Vianna Filho e Maria Elisa Barredo; as inspirações de Paret, ao se lançar neste vôo, na direção cênica de Histórias Veladas. Paret desta vez escolheu o espaço de um sótão no Retrato Espaço Cultural, um casarão absolutamente estiloso, em mistura de ruína, pedras aparentes, paredes em reboco de cimento; uma mistura de desconstrução e construção de estilos originais, em um bairro bem eclético, o bairro da Glória, na Rua Benjamin Constant; um localidade que transborda níveis sociais díspares, que exalam sensualidade, sexualidade e marginalidade. Assim é esse sótão, o lugar onde ficam guardadas memórias vividas e sofridas; que vão sendo desvendadas e reveladas a nós, de forma confessional e intimista; em uma celebração olho a olho, cara a cara, mente a mente, coração a coração; por quatro atrizes: Marta Paret, Dayse Pozato, Ângela Câmara e Beatriz Gama.
O espaço cênico concebido pela direção de Paret, é pontualmente preenchido por objetos retros e que guarda a intimidade, e as reminiscências de cada uma delas, como o pianinho, o quadro verde, cadeiras antigas e luzes em gotas, entre outros. Todos buscam evocar memórias de tempos passados e vividos, por histórias duras, e cruas, narradas com sobriedade e dignidade pelas atrizes. Acompanhando o código do iluminador Paulo Denizot, de todas as atrizes serem as próprias iluminadoras de suas trajetórias, e assim, elas mesmas manuseiam as lâmpadas que dão luz as suas fendas mais profundas. Aborto, incapacidade musical, assédio médico, transição de gênero, desnudamento, são alguns dos temas revelados a nós em primeira pessoa.
Assim, em Histórias Veladas, Marta Paret imprime a sua marca artística e pessoal na descoberta de um novo espaço para a encenação carioca, ao mesmo tempo em que desvenda segredos íntimos e delicados de mulheres atrizes.
Foto Fernando Ocazione