Um homem atravessa o deserto que separa sua fazenda da cidade de Bitter Riacho a cavalo. Ele vai visitar o xerife Jake, um amigo de sua juventude, quando ambos trabalhavam como pistoleiros contratados. A ação se passa em 1910, e os dois homens estão na casa dos cinquenta. Silva (Pedro Pascal) é mexicano origem, um cara sólido, emotivo, esquivo, um trapaceiro, se necessário, caloroso. Tem sido vinte e cinco anos desde a última vez que viu o xerife Jake (Ethan Hawke), loiro, rigoroso, frio, inescrutável, quase o oposto de Silva. Naquela noite, no na casa do xerife, eles comem um ensopado de carne que Jake preparou, bebem e fazem amor, tudo isso em abundância. Na manhã seguinte, Silva quer que a festa continue, mas encontra uma parede em Jake, que não se parece em nada com o homem da noite anterior. Assim, após àquela noite orgíaca, ambos personagens confrontam seu passado e seu presente de maneiras totalmente diferentes.

Este é o cerne da história de Estranha Forma de Vida – que estreia nos cinemas de Portugal nessa semana -: a discussão enquanto eles se vestem na manhã seguinte. Neste argumento, os motivos ocultos são revelados (como bem como a paixão que viveram quando eram mais jovens, e que ainda está batendo dentro deles, mesmo que Jake não queira admitir isso, uma vez que eles estão sóbrios). Jake tem que ir atrás de um assassino que, segundo uma testemunha ocular, era filho de Silva. E Silva tem que interceder por ele, tentando convencer Jake que seu filho é inocente e que ele deveria parar de procurá-lo. Tudo isso, o dever do xerife em oposição à dor de um pai, misturada com reprovações e declarações de amor de dois amantes que não se viam há vinte e cinco anos e que vivem em extremos opostos do deserto.

A intenção do filme é dar voz a dois homens queer de meia-idade que tradicionalmente permaneceram em silêncio em um gênero como o western. Brokeback Mountain por Ang Lee é o mais próximo que Hollywood chegou de contar uma história sobre dois homens que se amam e falam sobre isso, mas os amantes do filme de Ang Lee são pastores, então não incluo o filme no gênero western. Existem westerns com personagens gays, como Warlock, de Edward Dmytryk. O roteiro é repleto de dados sobre a relação apaixonada entre seus dois protagonistas, Anthony Quinn e Henry Fonda, mas ninguém fala sobre isso mesmo que o relacionamento deles seja um dos eixos do filme. Isso vira o filme de Dmytryk em um western estranho ou com um roteiro mal escrito. O filme só é compreendido se ambos forem amantes, mas essa palavra nunca é mencionada.

Filmado em uma cidade construída em Almeria para Sergio Leone como cenário para sua lendária trilogia do dólar, com Clint Eastwood. (O bom, o mau, o feio; por alguns dólares a mais e um punhado de dólares). A passagem do tempo, cinquenta anos, deu autenticidade ao local, hoje empoeirado e antigo. O artifício típico de o que tinha sido um cenário de filme há cinquenta anos, construído naquela época.

Também foi uma experiência emocionante para a equipe do filme trabalhar com Ethan Hawke e Pedro Pascal, ambos extraordinários em suas respectivas funções. Quanto à decoração, foram respeitadas as regras do gênero sem cair em qualquer tentação anacrônica, exceto a música do início, com a voz de Caetano Veloso e o rosto angelical de Manu Ríos, que dá título ao filme. Para a escolha das pinturas nas paredes dos dois conjuntos mais importantes, o interior da casa do xerife e da fazenda onde Silva mora, foram usados artistas da época. Na casa do Xerife Jake há diversas pinturas de Maynard Dixon, um dos primeiros artistas, senão o primeiro, a pintar paisagens do oeste americano, com índios e cowboys nativos. Sua obra possui um colorido atípico da época que aproxima-o do pop e às vezes do impressionismo. Há também um retrato da artista Lily Langtry, muito famosa no início do século, que realmente fez um filme mudo e que Ava Gardner interpreta em The Life and Tempos do juiz Roy Bean junto com Paul Newman.

O outro grande artista que aparece nas paredes da fazenda é Georgia O’Keefe, a mexicana paisagem que paira sobre a cama de Silva. Saint Laurent de Anthony Vaccarello ficou responsável por todo o guarda-roupa.

Já assisti muitos westerns para não cair em anacronismos e a verdade é que o homem, o guarda-roupa mudou muito pouco, o xerife é sempre o mais elegante, geralmente com terno, colete (o tecido do colete era o único coisa que permitia alguma fantasia, com damascos brilhantes), camisa e no pescoço uma gravata bola. O resto dos personagens masculinos sempre usam um lenço no pescoço, em cores e estampas diversas, camisa xadrez e colete. Os vestidos das prostitutas mexicanas são inspiradas em El Dorado (Howard Hawks). Eu fiz minha pesquisa com uma infinidade de westerns, especialmente Hawks, John Ford, John Sturges, Raoul Walsh, Anthony Mann, Peckinpah, Robert Aldrich, etc. Quanto à narrativa em geral e à música, segui o clássico cânone. Apesar de em Espanha termos uma grande tradição de espaguete westerns, mais de cem foram filmados nas décadas de 60 e 70. eu não tenho inspiração em nenhum deles e o compositor Alberto Iglesias evitou Ennio Morricone, que teria sido a referência mais fácil, diz Pedro Almodóvar.

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