É possível criar um mundo verdadeiramente justo? O que fazer quando cada movimento com esse objetivo parece gerar novas e desconhecidas injustiças? Esses questionamentos guiam o espetáculo Aqueles que deixam Omelas, solo narrativo baseado no conto homônimo da renomada autora americana Ursula K Le Guin (1929-2018), nunca publicado no Brasil. Com direção de João Maia P e atuação de João Pedro Zappa, a montagem encerra temporada, neste domingo (15/12), no Espaço Municipal Sérgio Porto/Sala Preta, no Humaitá. A peça se constrói a partir do encontro do espectador com o narrador da história, um viajante solitário. Desde que deixou Omelas, ele percorre o mundo contando a história desse lugar de nome exótico, desconhecido por todos. As últimas sessões serão na sexta e no sábado, às 19h, e no domingo, às 18h.

Num primeiro momento, Omelas parece ser o lugar da utopia: solar, belo, alegre, livre. Mas, na verdade, ele esconde um segredo, uma feiura e tragédia quase distópicas. Ao revelar esse segredo, a sombra de Omelas aparece, tornando aquele lugar familiar a todos. O relato feito pelo viajante, em detalhes minuciosos, funciona como uma espécie de espelho, onde cada espectador ao se ver refletido, percebe que é parte integrante da distopia de Omelas. Talvez a narrativa do viajante tenha até um caráter de maldição, uma necessidade permanente de dividir com todos a sua própria perplexidade: “Se eu terei de viver para compreender isso que parece incompreensível, vocês também terão…”, diz o personagem para o público.

Com tom de fábula moral filosófica, a narrativa apresenta uma trama repleta de paradoxos: beleza e sofrimento, liberdade e opressão, justiça e injustiça, dor e prazer. O espectador se vê envolvido por um turbilhão de imagens e acontecimentos, que vão sendo narrados pelo viajante, e mediados por esse jogo de opostos incômodos. A história que está sendo contada, em alguma medida, pode ser a história de qualquer um que esteja ali sentado, ouvindo aquele curioso relato.

O que é belo e profundo neste texto é que ele pode ser uma metáfora para diversas esferas da nossa vida, tanto questões íntimas quanto das nossas bolhas e também mundiais. O que é Omelas? É uma cidade fictícia ou a nossa realidade diária?, observa o ator João Pedro Zappa. Nossa ideia na peça é plantar uma indagação que possa gerar uma reflexão no espectador. E essa reflexão vai ser diferente para cada um, completa.

Estreando na direção teatral, João Maia P constrói uma cena crua e direta apoiada no trabalho minucioso da construção de imagens poéticas feitas pelo ator-narrador, e por uma cenografia e um figurino minimalistas.  A urgência de contar essa história no Brasil de hoje está ligada à necessidade de se pensar sobre como é complexa a estruturação de uma sociedade mais justa. A quebra da ilusão utópica como caminho para lidar com a turbidez da realidade da experiência social humana no mundo, avalia o diretor.

Foto Beatriz Salgado

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