Com direção e dramaturgia original de Luiz Felipe Reis e atuação de Renato Livera, DESERTO, sétimo espetáculo teatral da Cia. Polifônica, estreia nacionalmente no dia 2 de maio de 2024, no Teatro do Futuros – Arte e Tecnologia, apresentando a primeira dramaturgia e encenação brasileira baseada em fragmentos de diferentes obras e das memórias do premiado escritor chileno Roberto Bolaño (1953-2003), considerado um dos maiores autores latino-americanos da virada do século 21.

Resultado de uma extensa pesquisa na obra do escritor e poeta Roberto Bolaño, DESERTO acompanha um poeta diante da morte afirmando a vida em criação.

Toda sua trajetória, e sobretudo seus últimos anos de vida representam, de certa forma, nossa batalha poética-cotidiana no mundo contemporâneo, uma luta contínua contra as forças de morte, de desertificação das subjetividades e de desvitalização do imaginário a que estamos sendo submetidos pelo mundo neoliberal e digital. Sua obra, assim como nossa peça, ao menos esperamos, são contra-cenas que se opõem ao estado desértico a que o mundo ruma, à disseminação irrestrita do horror e das forças de destruição que se alastram e englobam a Terra: violência neoliberal, necropolítica, ecocídio, feminicídios, fascismos e autoritarismos que vicejam em todos os tempos nas Américas e além, revela o diretor Luiz Felipe Reis

O diretor reflete ainda que DESERTO é, de certa forma, uma espécie de uivo – típico de todo ser acuado – que soa como grito e canto de despedida desse autor luminoso. Lembra e celebra a coragem existencial-poética de Bolaño e de outros poetas e escritores também já desaparecidos que lutaram por uma vida poética, unindo o sonho democrático e a afirmação da poesia como uma forma de vida.

DESERTO lembra e celebra os rastros de sonhadores, loucos, artistas e “terrafirmistas” que, assim como Bolaño, cultivaram a força de vida e de Eros nessa Terra. Celebramos, portanto, Roberto Bolaño, assim como algumas de suas principais referências e inspirações, como Kafka, Nicanor Parra, Mario Santiago, Pedro Lemebel e tantos outros. Vozes que, assim como Bolaño, se empenharam em criar poesia como resposta ao horror e ao deserto do real, comenta o diretor.

Em seu recorte dramatúrgico, o espetáculo joga luz, sobretudo, nos últimos anos de vida do escritor. Diagnosticado com uma doença hepática degenerativa, em 1992, Bolaño, a partir de então, passa sua última década de vida lidando com uma doença crônica e, de certa forma, silenciosa. Enquanto aguardava um transplante de fígado, se dedicava à conclusão de obras como “2666”, sua obra-prima final, publicada um ano após a sua morte.

O que acompanhamos em DESERTO, porém, não é exatamente a vida particular de Bolaño, mas fragmentos da sua memória, de seus poemas e escritos diversos que iluminam a jornada arquetípica de um poeta e escritor latino-americano imigrante – nascido no Chile – que atravessa o continente rumo ao México e que, posteriormente, fixa-se na Espanha. 

DESERTO é a recomposição de rastros dessa aventura. A travessia de um espírito inquieto marcado pela inconformidade com as normas, pelo desejo de ruptura, e que, então, se relaciona de modo muito particular com o exílio, com o desamparo e com o “deserto do real” de um mundo globalmente colonizado e dominando pelo imperativo do lucro, da utilidade e da eficácia a serviço do capital – como resposta ao horror e a aridez do real, Bolaño reafirma continuamente uma relação inseparável com a criação artística. Sua obra e sua vida são afirmações de uma ética de existência: a aventura poética como uma forma de vida, como uma forma de escapar e de se contrapor ao nomos e ao ethos – conjunto de normas e hábitos – impostos pelo regime totalitário do capital em sua forma contemporânea, neoliberal, marcada pela financeirização de tudo, declara Luiz Felipe Reis.

A partir do legado poético de Bolaño, DESERTO se apresenta, de modo implícito, como uma contra-cena à mortífera farsa do capital, isto é: uma cena que se ergue contra o atual processo de desertificação e de desvitalização dos nossos corpos e subjetividades, e que afirma a poesia como uma forma de vida.

O espetáculo DESERTO pretende instaurar uma experiência multilinguagem, articulando dispositivos teatrais com a literatura, a poesia, a música, além de instalações de luz, som e vídeo, se empenhando, em articular reflexões filosóficas com provocações sensoriais a fim de sensibilizar e de engajar todos os envolvidos na experiência, na tarefa de responder criativamente às transformações e às ameaças existenciais que marcam o contemporâneo.

A temporada do espetáculo DESERTO, no Futuros – Arte e Tecnologia, celebra os 20 anos do lançamento da obra-prima “2666”, de Roberto Bolaño, e, também, os 10 anos de formação da Cia. Polifônica.

Fotografia Renato Pagliacci

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