Enquanto o planeta fica cada vez mais quente, os oceanos sobem e se agitam, um casal no supermercado se questiona se deve ou não ter filhos. Esse simples questionamento causa uma reação em cadeia que não pode ser revertida. É o começo de uma conversa que vai de questões ambientais até o mais temido medo de todos: de se tornarem iguais aos seus próprios pais. Esse é o ponto de partida do espetáculo Pulmões, do dramaturgo inglês Duncan Macmillan, que estreia no Teatro Municipal Ipanema, dia 06 de outubro, com tradução e adaptação de Diego Teza, direção de Miwa Yanagizawa e Maria Lucas como diretora assistente.

A premiada dramaturgia, que estreou em 2011 nos Estados Unidos, é montada pela primeira vez no Rio de Janeiro. O projeto foi idealizado pelos atores Giulia Grandis e Thiago Mello, casados desde 2019 e juntos há 11 anos. Na peça, os personagens também têm um relacionamento e se perguntam se são pessoas boas o suficiente para terem filhos. Avaliam as próprias (segundo eles) qualidades: têm uma vida simples, gastam dinheiro com assinaturas de streaming, aluguel, fazem doações, votam, vão a manifestações, assistem filmes estrangeiros, reciclam e levam sacola retornável (quando lembram). Seria o suficiente?

Conheci Pulmões em 2019, quando tinha acabado de me casar, e todo mundo começou a perguntar se a gente ia ter filhos. A pressão foi tanta e comecei a me perguntar mais a sério se queria ter ou não. Se tinha vontade de criar uma criança, instinto maternal ou desejo em deixar um pedaço meu no mundo. A peça começa justamente com esse questionamento, lembra Giulia. Não conseguimos comprar os direitos na época. Em 2021, descobri uma massa no útero e tive que fazer muitos exames e uma cirurgia. Fiquei bem de saúde, mas essas reflexões voltaram com mais força e a vontade de fazer a peça também. Fomos atrás dos direitos e deu certo. Acho que o público vai se surpreender com a espontaneidade e vulnerabilidade dos personagens, acrescenta a atriz.

A diretora Miwa Yanagizawa conheceu o casal de atores durante uma oficina no ano passado, e se entusiasmou ao receber o convite para dirigir este texto de Duncan Macmillan, que lança um olhar crítico e bem-humorado sobre o que a sociedade considera como um comportamento padrão para casais. “As peças dele têm um olhar agudo sobre as relações humanas contemporâneas. Ele sugere dispositivos interessantes para o processo de criação que desnaturaliza situações que nós teimamos em reproduzir na vida como algo natural”, descreve Miwa. Em Pulmões, estamos representando uma relação cis-heteronormativa ansiosa por corresponder ou escapar da ideia de família ideal. Estamos, aos poucos, quebrando padrões, mas a imagem de uma família perfeita de propaganda de margarina ainda é muito presente. Ter filhos é visto como um acontecimento normal para um casal cis, como se não existissem mil outras possibilidade de existência, completa a diretora.

O cenário da diretora de arte Teresa Abreu vai contar com uma série de projeções de slides com imagens de festividades de famílias nos anos 70. A trilha sonora original composta por Azul é outro elemento dramatúrgico.

Fotografia João Julio Mello

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