Em tempos em que o teatro carioca vem apresentando uma proliferação de monólogos, em uma forte tendência do “eu sozinho”, e com sérios problemas de interpretação, dramaturgia, conceito e estética; chega ao Rio de Janeiro um espetáculo que vai totalmente na contramão destas produções de palco nu e investimento de produção quase nulo: A Última Sessão de Freud. Em cartaz no Teatro Adolpho Bloch – destaque para a retomada do nome original desta histórica sala de espetáculos do bairro da Glória – de sexta às 20h, sábados às 17h e 20h e domingo às 17h.

A montagem do espetáculo, com texto de Mark St. Germain, tradução de Clarice Abujamra, direção de Elias Andreato e atuação de Odilon Wagner e Marcelo Airoldi; nos transporta há uma viagem através do tempo, pela sua concepção absolutamente característica de nosso chamado teatrão. Há muito não víamos esse exemplar teatral em nossa cidade, com cenário gigantesco, com estantes repletas de livros, obras de arte, objetos, enfeites, mesa de escritório, cadeiras, tapetes, cortinas, divã, portas, janelas, e até latidos de um fiel cachorro no quintal; e com direito a luz de sol e da lua. Tudo absolutamente realista quase naturalista – que reproduz o consultório onde Freud desenvolvia sua psicanálise e seus estudos, exilado na Inglaterra depois de ter fugido da perseguição nazista na Áustria, em plena segunda guerra mundial, no ano de 1939 -, com direito até a pia com água e sangue cenográfico; de criação do ótimo Fábio Namatame; responsável pela assinatura de cenários e figurinos.

Um dos grandes méritos do texto de St. Germain – baseado no livro Deus em Questão, escrito pelo Dr. Armand M. Nicholi Jr., professor clínico de psiquiatria da Harvard Medical School, que aborda as diferenças filosóficas entre Freud e Lewis -, é justamente colocar em cena um embate tão rico de ideias tão díspares e conflitantes entre o pai da psicanálise e o escritor, poeta e crítico literário. Questões sobre o sentido da vida, a natureza humana e a fé, que são conversadas de forma muito franca, respeitosa, e que nos dá um belo exemplo aos dias de hoje; onde não conseguimos mais ter um bom diálogo – entre duas pessoas – com pontos de vistas antagônicos, sem que hajam ofensas, agressões verbais, físicas, polarizações e muito ódio – que hoje também podem levar, muito facilmente, até a morte.

Assim, em contraponto a suntuosa concepção cênica, o que fica para nós é justamente a riqueza das ideias, e da criatividade em se colocar duas personalidades que nunca se encontraram pessoalmente, estarem juntas, agora, no espaço mágico do teatro, e da cena. A ganharem forma, conteúdo e vida. E como em um bom teatrão – à exceção da grandiosa ambientação – , todos os elementos técnicos devem passar despercebidos, ao serem integrados como elementos naturais daquela realidade retratada. Assim é com os fiéis figurinos de Namatame, a iluminação discreta e clássica de Gabriel Paiva, André Prado e Nádia Hinz, e a trilha sonora quase incidental de André Brito. Os atores seguem também as coordenadas realistas de interpretação, e apresentam assim atuações corretas e bem desenhadas para suas personagens Freud (Odilon Wagner) e C. S. Lewis (Marcelo Airoldi).

A Última Sessão de Freud é assim um espetáculo agradável em se assistir, e que nos transporta para um tempo em que uma boa conversa podia ser apreciada com um ótimo nível de entusiasmo, e que o seu resultado nos levava para a afirmação de nosso ponto de vista, ou de novas, e ricas, reflexões acerca de tema tão espinhoso como é a religião: “Deus”, e a “Fé”. E deste confronto, sem vencedores explícitos neste jogo cênico; o maior vencedor é o público; que assiste a uma aula de civilidade e de excelentes argumentações.

Fotografia João Caldas

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