Julie, que em breve fará 30 anos, não parece conseguir assentar. Quando pensa ter encontrado alguma estabilidade com Aksel, um escritor de sucesso de 45 anos, conhece o jovem e bonito Eivind. Esta é a premissa principal de “A Pior Pessoa do Mundo” (2021) – no original “The Worst Person in the World” – e é o quinto filme do argumentista e realizador norueguês Joachim Trier. Trier realizou antes deste: Reprise (2007), Oslo, 31 de Agosto (2011), Ensurdecedor (2015) e Thelma (2017). Muitos deles premiados em prestigiosos festivais como o Prémio Discovery do Festival de Toronto, por Reprise. Reprise e Thelma foram escolhidos também para representar a Noruega nos óscares, na categoria de Melhor Filme Estrangeiro. Trier ganhou o prémio de Melhor Realizador nos Prémios Amanda – o mais importante prémio da Noruega – para os seus três primeiros filmes.

O seu novo guião “A Pior Pessoa do Mundo” venceu este ano, em Cannes, o Prémio de Melhor Actriz e já foi anunciado na Selecção Oficial do próximo Festival de Toronto, a dar início em uma carreira internacional. O filme fala do tempo, de relações, de encontros e desencontros entre duas pessoas que se amam mas que não conseguem viver juntos. Duas gerações diferentes, anseios, desejos e escolhas que não se cruzam no momento presente. Questões claras como o perceber que a diferença de idades vão criar grandes vácuos entre mundos distintos. Nos primeiros cinco minutos do guião Trier realiza uma síntese do que é a busca e o pensamento inquietante da protagonista. Tudo isto em uma linguagem mais clipada, e dinâmica, que nos dá a verdadeira dimensão do turbilhão de ideias e escolhas que ela processa, em pequenos espaços de tempo. Algo típico da juventude e de suas descobertas, onde as coisas mudam como em um piscar de olhos. Onde experimenta-se e vive-se a cem quilómetros por hora, e sem cinto de segurança. Joga-se, vive-se apenas. Busca-se experenciar tudo o que se pode no menor tempo possível.

Assim, depois de tantos percursos, Julie começa a se relacionar com Aksel. Ele, mais vivido, mais maduro, já consegue antever a trajetória que ambos irão viver. Ele já a viveu, já a assistiu por décadas, e já tinha a percepção aguçada de que essa relação era uma canoa furada e que não precisava de remá-la muito para saber que era iminente o seu afundar. Ela, para se testar, e por não admitir o desafio de ser dispensada, se sente mais atraída, e é aí que se apaixona por ele e diz saber que é com ele que ela quer seguir adiante. Porém, conforme o relacionamento segue, a estabilidade aparente começa a ruir. A rotina, os desejos desencontrados pela maternidade e tudo o mais, começa a dividir os seus mundos.

Na sua realização Trier cria uma narrativa realista, onde podemos acompanhar todas as etapas de amadurecimento da personagem Julie, interpretada com sutilezas e requinte de atuação pela atriz Renate Reinsve. Julie, apesar de dizer, em dado momento, que se sente uma coadjuvante de sua própria vida, é ela a responsável pela construção de todos os seus caminhos. Onde ela busca moldar o seu mundo ideal, com todos os ingredientes de um romance clássico, onde a mocinha busca incessantemente o seu amor perfeito. Para isso ela manipula o tempo, congela a vida, e realiza os seus desejos mais românticos. O filme tem uma linguagem sóbria e elegante, mesmo em cenas bem inusitadas, e intimas.

A química e o entrosamento entre os protagonistas – Reinsve e Anders Danielsen Lie – é um dos maiores méritos do filme, e não deixamos de observar com atenção, por nenhum instante, quem é que Julie realmente ama até o último frame. A Pior Pessoa do Mundo é um filme de amor com linguagem contemporânea, e abordagem sensível e realista.

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