Copacabana é seguramente o bairro mais famoso e conhecido do mundo. Um bairro que se projetou, e se imortalizou por uma imagem de pedrinhas de calcário portuguesas pretas e brancas que desenham as ondas do belo mar de Copacabana. O Copacabana Palace, o primeiro hotel a ser construído na desértica Copacabana, na década de 20 do século passado, foi obra de um apaixonado e visionário da família Guinle, de nome Octávio. Ele é um ícone da hotelaria, e da arquitetura mundial, por sua estrutura sóbria e imponente, em mármore de carrara e cristais da Boêmia. Para a sua execução foi contratado o arquiteto francês Joseph Gire, que se inspirou em dois famosos hotéis da Riviera Francesa: o Negresco em Nice e o Carlton em Cannes. O Copacabana Palace está certamente no imaginário popular coletivo de muitas gerações, pela sua majestosa arquitetura, pelas centenas de personalidades e celebridades que se hospedaram nele (Marlene Dietrich, Albert Einstein, Walt Disney, Orson Welles, Rita Hayworth, Edith Piaf, Carmem Miranda, Rolling Stones, Madonna, entre muitos outros); e principalmente pela riqueza de personagens que compõem a família dos famosos Guinle. Tendo como protagonistas dessa saga o casal Otávio e Mariazinha Guinle, figuras principais que vão do apogeu ao declínio do império “copacabaniano”.

Com um século de existência, completos no dia 13 de agosto de 2023, o Copacabana Palace continua a ser um dos mais importantes, e emblemáticos, hotéis de todo o mundo. Eleito por diversas vezes como o melhor hotel da América do Sul. Em 2018 o grupo Belmond comprou o Copacabana Palace, com a promessa de que manteria a sua arquitetura esplendorosa; pois ele fazia parte do conceito de hotéis adquiridos pela holding: o Hotel Cipriani, em Veneza, o Hotel Splendido, em Portofino, o Grand Hotel Europe, em São Petersburgo e o Maroma Resort & Spa, no México. No Brasil, além do hotel no Rio, possui também o Hotel das Cataratas, em Foz do Iguaçu. E também concordando que seria uma honra poder manter Mariazinha Guinle em sua morada permanente no cobiçado sexto andar.

O hotel ficou famoso também ao aparecer no musical “Voando para o Rio”, de 1933, uma comédia musical com Gene Raymond, Dolores del Rio e Fred Astaire. Assim, já estava em tempo de que alguém tivesse a ideia em transformar a riquíssima, e glamourosa história do Copacabana Palace, em um musical para ser estreado no seu próprio palco que ficou fechado por quase 30 anos; e que volta agora em agosto de 2023 para comemorar o centenário do copa – como nós cariocas o chamamos carinhosamente. Assim, Gustavo Wabner e Sergio Módena idealizaram, e Ana Velloso e Vera Novello escreveram o texto e produziram o espetáculo, que é apresentando justamente na estreia do novo, e reformulado Teatro do Copacabana Palace; já com a chancela Belmont.

Velloso e Novello, construtoras de vários textos a quatro mãos, e com larga experiência em musicais, escreveram um roteiro com diálogos enxutos e com cenas objetivas na apresentação dos fatos marcantes desses cem anos do copa. Intercalando-as com números musicais com cantoras, e cantores, que marcaram época nos aposentos, salões do Golden Room, Teatro Copacabana, Pérgula, Cassino, bailes de carnaval, e o Rio de Janeiro, entre outros. As autoras escolheram o protagonismo feminino na figura de Mariazinha Guinle, viúva de Otavio Guinle e herdeira, para conduzir a obra. Mariazinha, junto aos dois filhos, recebe uma proposta de compra do hotel, pelo empresário James Sherwood e, sem saber o que fazer, esconde dos filhos a tentadora proposta. A única pessoa com quem compartilha o seu dilema é com a funcionária e amiga Claudia, e é através da conversa entre as duas que o público faz um passeio por histórias memoráveis do hotel e do Rio de Janeiro.

Assim ficamos sabendo que o Hotel deveria ser inaugurado no centenário da independência do Brasil, em 1922; porém por atraso nos materiais que vinham de fora do país e também por invasão de águas por ressacas do mar, ele é inaugurado um ano depois. Vemos também o zelo e a paixão de Otávio por cada cantinho do Hotel, os tempos do Cassino, os desdobramentos políticos para o seu fechamento, os desfiles de moda, e cenas pessoais de Orson Wells, Carmem Miranda, e de números musicais com Marlene, Cauby Peixoto, Edith Piaf, entre outras, e também de músicas cantadas pelos personagens, e que dão um painel do tempo em que elas ocorrem. A direção de Gustavo Wabner e Sergio Módena buscam organizar com limpeza as cenas que se sucedem, no pequeno espaço que sobra no palco, e no segundo nível do cenário, e também na economia do número de participantes, em números musicais. Karen Brusttolin opta também por modelos de figurinos menos volumosos e mais enxutos em cada uma de suas concepções.

A cenografia de Natalia Lana consegue criar um ambiente luxuoso, e ao mesmo tempo contemporâneo; onde valoriza a arquitetura tradicional do copa com uma escadaria, lustres de cristal, janelas, mesas, cadeiras, toalhas e louças. Buscando equilibrar assim, no pequeno espaço do palco, ao incorporar a ele um enorme telão de LED – com ótima direção de imagens dos Irmãos Vilarouca – , e que parece uma tela cinematográfica; que nos causa um encantamento pelo tom nostálgico, e pela dualidade de parecer nos colocar também em uma sala de cinema. Ficando a impressão de que estamos assistindo, em alguns momentos, ao mesmo tempo, a uma peça de teatro, e a uma grande película fílmica. A iluminação de Paulo Cesar Medeiros se apresenta muito competente como sempre. A direção musical de Heberth Souza e os Arranjos de Heberth Souza e Evelyne Garcia são leves, simples e agradáveis.

Suely Franco brilha como Mariazinha Guinle e nos emociona com os seus números musicais, Ana Velloso substituiu nesta récita, com muita competência, Vanessa Gerbelli que interpreta Mariazinha em sua juventude. Mouhamed Harfouch conduz com firmeza, e tom apaixonado, o seu Otávio Guinle e os outros atores se dividem com correção entre os diversos papéis que nos contam essa secular história: Saulo Rodrigues se sobressai com seu divertido Orson Wells, Chris Penna se sai bem em seus papéis e tem crescido muito na criação de tipos desde a sua atuação como Procópio Ferreira em Bibi- Um Musical, Beth Lammas empresta a sua elegância as personagens que interpreta, Victor Maia busca extrair sempre comicidade excessiva em todos os seus papéis. Patricia Athayde, Cássia Sanches. Julia Gorman, Daniel Carneiro, Leo Senna e Lu Vieira ajudam a contar com graça, e bons números musicais, essa deliciosa homenagem a um dos hotéis mais charmosos e mitológicos do mundo.

Não é difícil encontrarmos alguém que não tenha uma pequena passagem que seja, uma mínima história, que inclua esse glamouroso e icônico hotel. Eu mesmo….

Foto Renato Mangolim

Serviço na Sessão Tijolinho Rio de Janeiro

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