Helena Blavatsky foi indubitavelmente um ser que marcou o seu tempo e que acumula durante séculos uma mítica ao seu redor. Paranormal, ocultista, mística, mediúnica, bruxa, escritora, filósofa, humanista, mentirosa? É difícil encontrar um consenso sobre quem era essa mulher, fundadora da Sociedade Teosófica, bem adiante do seu tempo e espaço físico. Quem foi Helena Blavatsky? A responsável pelo ressurgimento dos cultos pagãos, da prática de bruxaria e mediunidade, do resgate dos antigos deuses celtas e egípcios e das religiões orientais?

Entre muitas críticas e louvores, a sua personalidade forte e polêmica foi fundamental para promoção do esoterismo oriental no ocidente, estimulando a criação de várias escolas esotéricas que se espalham pelo mundo até hoje. A obra de Blavatsky se opunha à extrema separação entre ciência e religião na época, e procurava fundar uma escola de pensamento sintética para integrar facções opostas e construir um novo senso de identidade. Combatia o dogmatismo irracional do cristianismo e de vários credos, estimulando a liberdade de pensamento e de pesquisa.

Por tudo isto não é difícil de se saber o porque de Helena Blavatsky chamar tanto a atenção, a ponto de se transformar em um delicado espetáculo teatral. Seus pensamentos e transversalidades encontraram muitos grandes nomes da ciência e da arte mundial. Sua vasta obra influenciou cientistas como Einstein e Thomas Edison; escritores como James Joyce, Yeats, Fernando Pessoa, T.S.Elliot; artistas como Mondrian, Paul Klee, Gauguin; músicos como Mahler, Jean Sibelius, Alexander Criabrin; além de pensadores como Christmans Humphreys, C.W. Leadbeater, Annie Besant, Alice Bailey, Rudolf Steiner e Ghandi. Além de que as suas teorias transcendentais, em tempos de um mundo partido, polarizado, repleto de fundamentalismo e do avanço da extrema-direita em todas as partes do mundo; faz de Blavatsky uma voz de reflexão, de espiritualidade e de fraternidade; que pode vir a ser uma boa válvula de escape para a racionalidade e as intransigências humanas da atualidade. O que tem grande ressonância em suas principais teorias, amplamente debatidas na peça: nada pode afetar uma nação ou um homem que não afete todas as nações e todos os outros homens; e o universo é dirigido de dentro para fora, pois nenhum movimento ou mudança exterior do ser humano pode ter lugar no corpo externo se não for provocado por um impulso interno – diz Blavatsky.

As encenações de Luiz Antônio Rocha são sempre muito cirúrgicas e vêm repleto de refinamentos artísticos e filigranas; onde cada detalhe traz embutido em si muito conteúdo sobre as obras apresentadas, na busca de um teatro essencial. Vimos isso já no universo de encenação de sua Frida Kalho e vemos agora também no universo de encenação de Helena Blavatsky. A escolha em ambientar o espetáculo dentro de uma composição artística em formato híbrido de luz de velas e luz artificial; traz uma composição plástica de externo bom gosto e muito afinado com o período histórico da existência de Helena Blavatsky; e principalmente com o desenvolvimento de toda a aura mística que perpassa pelo pensamento da autora. Assim, como em um caleidoscópio, vemos uma rica composição de luz que desenha geometrias, simetrias, oposições; e nos alimenta o campo ocular e a alma.

Neste projeto, em específico, a luz de Ricardo Fujji, torna-se também uma forte personagem – assim como o próprio espírito cênico de Blavatsky, que flutua aqui, presente, em sua eternidade -; e que nos guia através de sua arquitetura, cenografia e direção de arte, a tempos e espaços, que preenchem a dramaturgia da luz. Ela fala, ela avoluma, ela direciona e preenche cada pedacinho do palco. Colocando assim, Beth Zalcman, em grandes molduras cênicas, bem apropriadas pelo visagismo de Mona Magalhães. Ela dialoga com o espírito de Blavatsky apenas pelo simples fato de existir como atriz, de estar neste momento presente, e ser o farol que guia os verdadeiros anseios desse ser e em busca da organização de um novo mundo, em suas teorias.

Ficando muito presente para nós a força de alguns duetos: o dueto entre a luz de vela e a luz elétrica, o dueto entre a luz e a sombra, o dueto entre a mulher e a filósofa, o dueto entre o passado e o futuro porvir. A cenografia e o figurino de Eduardo Albini acompanham a estética do teatro tradicional ao se apresentarem de forma realista. É sendo muito bem-vinda a escolha minimalista, e intimista da encenação de Rocha. Ela nos tornam cúmplices de seus depoimentos pessoais e em espectro de descobertas científicas, em tons confessionais. A atuação de Beth Zalcman é caracterizada por uma apropriação de textos com um desenrolar contínuo, em blocos com respiração pontual e econômica. Nos conduzindo a atenção pela grande eloquência das ideias, e do falar diferenciado pelas trilhas de um texto que vai nos inundando de informações, optando muitas vezes pelo tom monocórdio e sem floreios de palavras e imagens.

Com a peça Helena Blavatsky, a voz do silêncio, o encenador Luiz Antonio Rocha vem se transformando em um bruxo do teatro das pequenas delicadezas da alma.

Fotografia Daniel Castro

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