O espetáculo Aqueles que deixam Omelas, em cartaz até o dia 26 de fevereiro de 2025, no Teatro Poeirinha, a partir do conto de Ursula K Le Guin (1929-2018) e direção de João Maia P, dialoga com um formato de teatro narrativo, que concentra toda a encenação na composição do ator; que pode atuar em diversos formatos, sendo o mais comum deles o teatro da fisicalidade. Onde o ator se apresenta, de uma maneira geral, com economia de artifícios. Artifícios estes que podem ser considerados apenas alguns atrativos de cena, tais como cenografias elaboradas em tamanho de grande ou média espacialidade, figurinos diversos, adereços, trilha sonora, desenho de luz, entre outras coisas.
Não que o uso de todos esses recursos tornem um espetáculo ruim, pelo simples fato de seu conjunto variado de unidades, existirem por si só. O mesmo valendo também ao contrário, não é porque há uma opção estético-cênica de simplicidade, ou essencialidade, que o espetáculo será bom! Porém, é sempre muito bom quando tudo isso se encaixa, e podemos assistir a um trabalho aparentemente simples, que tem uma boa história para contar por Zappa, um único figurino, e uma mala na concepção da direção de arte de Maria Estephania, e na pontual e localizadora iluminação de Luís Paulo Neném.
É assim que é Aqueles que deixam Omelas, que nos apresenta um encontro do espectador com o narrador da história, um viajante solitário. Desde que deixou Omelas, ele percorre o mundo contando a história desse lugar de nome exótico, desconhecido por todos.
O grande trunfo da direção de Maia P, é sem dúvida extrair a sinceridade e a entrega do ator João Pedro Zappa, na construção de cada um dos gestos, impulsos e partituras físicas e emocionais de sua personagem. Ao contrário do que se imagina, não devemos confundir jamais a atuação de Zappa, baseado nos velhos jargões que diriam ele fazer: “uma atuação com naturalidade”, ou “nem parece que está interpretando”.
Muito pelo contrário, para se atingir o estágio em que uma interpretação nos pareça natural, significa que é empreendido um grande empenho, e a busca sincera de seu intérprete, na construção de sua composição. Assim, Zappa é um dos jovens atores mais interessantes de sua geração. Todos os projetos em que o vejo participar, sempre me chama a atenção, as suas composições.
Por trás da aparente simplicidade do espetáculo, ele apresenta uma forte potência e uma temática muito pertinente, e reveladora, em tempos tão duros onde uma extrema-direita está a esmagar-nos em todas as partes do mundo, com uma visão falsamente construída de Deus, Pátria, Família e Liberdade; e que se puxar uma linha sai um novelo inteiro de sujeira e podridão. Num primeiro momento, Omelas parece ser o lugar da utopia: solar, belo, alegre, livre. Mas, na verdade, ele esconde um segredo, uma feiura e tragédia quase distópicas. Ao revelar esse segredo, a sombra de Omelas aparece, tornando aquele lugar familiar a todos.
Omelas é justamente uma metáfora de nossa sociedade atual, onde estamos repletos de pessoas que se multiplicam em redes sociais escrevendo ou opinando sobre todo e qualquer assunto, sem que muitas das vezes sequer apresentem qualquer credencial para discorrer sobre os temas propostos; assim como a extrema-direita que vive em construir narrativas, sem saber também nenhum dos princípios básicos para tal. Com isso, em tempos tão estranhos e conturbados, a simplicidade de um ator-contador-rapsodo, ao narrar sua história, ao viajar de localidade à localidade, só ajuda a enriquecer a comunicação, a escuta e a reflexão sobre a nossa sociedade e as verdadeiras percepções de mundo. Assista ao espetáculo, ouça as narrações, e nos diga então: “E você acredita nisso?” “Acredita agora?”
Fotografia Beatriz Salgado