O espetáculo Alma Despejada, com texto de Andrea Bassitt, e direção de Elias Andreato, e que segue em temporada no Teatro Fashion Mall até o dia 23 de fevereiro, conta a história de Teresa, que depois de morta, visita a casa em que viveu, e rememora histórias de seu passado, pessoas marcantes, sua vida de professora, e a sua paixão por brincar com as palavras. Apesar do enredo de revisitação de uma vida, e de fácil assimilação pelo publico, por tratar-se de uma história de realismo fantástico, com fatos marcantes de nossa política, saúde pública, educação, entre outros, – em tempos não tão distantes assim e narrados por uma “alma”-, a impressão que temos é a de que foram apostadas todas as credenciais da peça, apenas no talento, carisma e excelência de atuação da consagrada, e veterana atriz, Irene Ravache.
Todo o espetáculo Alma Despejada parece gravitar respaldado apenas na sólida interpretação da ótima atriz octogenária, e nos dando a impressão de que não foi empregado um maior esforço artístico para construir todos os outros setores que compõem as áreas artísticas e técnicas do mesmo.
O texto de Andrea Bassit se mostra interessante, em sua ideia central, e no jogo de palavras que marcam a trajetória da personagem principal; ao mesmo tempo em que apresenta o seu conteúdo de maneira tímida na repassagem dos últimos, e muito tenebrosos momentos da politica brasileira e da saúde pública. Deixando-nos uma sensação de descaminhos em sua narrativa.
A cenografia de Fábio Namatame, apesar de correta, é proveniente de uma leitura simplificada de composição de espacialidade – o uso de caixas de mudanças, em tradicional papelão pardo, com carimbo industrial, por todos os lados -; que nos dá a nítida sensação de que há algumas pontas soltas em sua concepção cênica, já que a mesma funciona quase que como um enfeite, uma moldura estática da cena; em vistas de que não apresenta uma função prática de uso, a não ser a de criar a ideia de um óbvio ambiente de mudança, que simboliza a venda de uma casa. O mesmo acontecendo com a busca dialética, em separar o mundo dos mortos e dos vivos, ao apresentar um grande banner de fundo, em preto e branco, de uma pequena mata, que contrasta com o cenário pardo, e colorido da vida real, e do figurino – também correto de Namatame para Ravache -, e que estão presentes na residência de Teresa.
A iluminação de Hiram Ravache é aberta, e coloca a maior parte do tempo, todo o cenário em evidência, e criando algumas zonas de luz, em momentos que se propõem mais delicados. Fazendo pouco uso do providencial rebatedor de luz, e cores, que o banner de fundo, por ser nas paletas de preto e branco, poderia oferecer à este universo, em gamas sobrenaturais. A Música de Daniel Grajew e George Freire, passa também despercebida, sendo utilizada apenas para sublinhar momentos ocasionais da cena.
O maior trunfo do espetácuIo está na atuação da consagrada atriz Irene Ravache, que empresta o seu talento e carisma por nos narrar, em forma de depoimento confessional, partes de sua vida íntima em um Brasil conturbado, pós lava-jato; sendo ela também, junto com a sua família, vítima, em primeira pessoa desses novos-velhos macabros tempos de construção de narrativas, do abandono da saúde pública – e sua qualidade de insetos da morte -; ao dar os seus últimos suspiros memoriais, para se desapegar de vez de sua conturbadíssima experiência terrestre.
Apesar do tema delicado, a peça tem um tom leve, que se utiliza mais do cômico absurdo, do que do diapasão dramático, e com destaque absoluto para a grande disposição da veterana atriz Irene Ravache, em se manter firme, ativa e produtiva aos 80 anos! Um exemplo de amor à arte, e que todos nós agradecemos e aplaudimos! Aguardando as suas novas produções!
.Foto João Caldas Filho