Os espetáculos da dupla Eduardo Bakr e Tadeu Aguiar são sempre sinônimo de muito afeto, apuro técnico, e de temáticas muito pertinentes para a nossa sociedade. Há décadas que os dois criadores desenvolvem um dos mais regulares trabalhos de formação de plateias para a infância e juventude em todo o país, conjuntamente com as suas esmeradas produções de teatro adultas. Ao percorrerem o Brasil, com as suas montagens muito bem cuidadas, tanto no seu conteúdo como na forma de suas encenações, os fizeram ficarem muito atentos e sensíveis àquilo a que os jovens precisam assistir em nossas salas de teatro.

Toda essa entrega e o vosso compromisso com o objeto artístico, aguçou suas grandes sensibilidades e delicadezas. E graças a isso é que foi possível assistirmos trabalhos tão potentes, e reveladores, como o Love Story deles. Um ponto que representa uma guinada em suas carreiras tão vitoriosas. Ao escolherem para protagonistas um casal preto,- por conta do grande número de atores pretos inscritos para a audição -, eles resolveram transformar a ideia original de um casal preto, para se tornarem um espetáculo só com atores pretos. Um acerto memorável, e que foi um dos marcos iniciais no olhar inclusivo para as minorias de nossa sociedade. Muito antes dos editais e dos programas do governo atual criarem cotas obrigatórias. Com este trabalho a dupla atingiu um patamar muito elevado no cenário do teatro musical brasileiro. Consolidado também, a seguir, pela antológica encenação de A Cor Púrpura, considerado por mim como um dos melhores musicais cariocas, em todos os tempos. 

Desta vez, o olhar apurado da dupla, nos trouxe à cena mais um trabalho com a grife de excelência deles, e que é um dos maiores sucessos da atualidade, em diversas partes do mundo: Adeus Evan Hansen de Steven Lenson. Baker e Aguiar mergulham assim profundamente no universo juvenil, em um dos temas mais espinhosos, e que é hiperpotencializado pelo período mais infernal e divinal, que é a adolescência, a transição para o mundo juvenil e adulto, e onde temos um grande índice de suicídios. A peça nos conta a história de Evan, um estudante que enfrenta transtorno de ansiedade e se sente invisível entre seus colegas, até que uma pequena mentira o coloca no centro das atenções, levando-o a uma jornada de autodescoberta e redenção. O texto escrito por Lenson, e com tradução muito fluente de Tadeu Aguiar, nos apresenta uma trama muito bem urdida e inusitada, para nos contar a surpreendente história do jovem Evan Hansen, que salta da posição de excluído e sofredor de bullying, para a posição de herói escolar popular; tudo isto por uma sucessão de equívocos, que dão origem a tantos e tantos outros – que envolve suicídio, fakes news intermináveis, falta de apoio familiar, redenção – ; até chegar a um final (re)conciliador à todos. 

A concepção de encenação de Tadeu Aguiar privilegia, com grande acerto, a tecnologia para nos dar uma ideia alucinante do que se passa na cabeça veloz dos jovens nas redes sociais. Em uma criação clean e minimalista, a excelente cenógrafa Natália Lana, trabalha com uma grande peça circular central, e muitas telas de led cenográficas, que transformam o ambiente com um simples abrir e fechar de um círculo; junto com belíssimas e harmoniosas composições gráficas, da Agência Control +, que nos transportam para o universo digital, de maneira única. Esta composição visual nos coloca como sujeitos de muitas telas de celulares, notebooks, tablets, e toda a sorte de mídias; sendo uma das maiores estrelas de todo o espetáculo. Os figurinos de Ney Madeira e Dani Vidal compõem com clareza a personalidade de cada uma das personagens. O canto entra de forma integrada ao todo, sendo um prolongamento sonoro e musical das falas da personagem. Esta opção se adequa perfeitamente bem à proposta geral, onde não temos as músicas e letras de Benj Pasek e Justin Pau, como um grande destaque, e nem grandes floreios vocais. Os atores/cantores, falam e cantam na medida exata de um musical delicado; sem explorar virtuosismos desnecessários. A direção de movimento da ótima Sueli Guerra também é responsável em naturalizar os movimentos, ações e atitudes de cada uma das personagens, para comporem quadros naturais também pertinentes a um musical sem grandes histrionismos. O design de luz de Dani Sanchez cria os mecanismos necessários para a diferenciação de ambientes, e dá um ótimo suporte de contrastes, aos telões de Led. 

Os atores se saem muito bem em suas composições, Gabi Lara como Evan Hansen, consegue equilibrar bem a dualidade entre ser um jovem diferente, excluído e um novo ídolo popular. A sua trajetória e o seu sofrimento interno conseguem nos alcançar com empatia e cumplicidade. Gui Figueiredo como Jared Kleinman, que interpreta o amigo desenvolto e com habilidades cibernéticas para construir novas realidades, faz um ótimo contraponto com Evan. Thati Lopes como Zoe Murphy tem presença marcante como a irmã de Evan, com possibilidades em viver muitas situações diferenciadas, em relação ao seu irmão, seus pais e com Evan. E de forma marcante ela transita muita bem por cada uma dessas distintas fases.  Hugo Bonemer como Connor Murphy,  é o responsável maior em deflagrar toda a trama da história, e sendo assim o seu papel muito mais citado do que vivido cenicamente, apesar de alguns flashbacks. Vanessa Gerbelli, Mohammed Harfouch e Flavia Santana como Heidi Hansen, Larry Murphy e Cynthia Murphy cumprem com correção, e assertividade, os seus papéis como genitores. Tati Christine como Alana Beck completa o bom elenco, como uma menina que ajuda vivazmente a alimentar toda a imensa rede de intriga.

O grande mérito do espetáculo é a sensibilidade da encenação da Estamos Aqui Produções de Bakr e Aguiar e da Touché Entretenimento de Renata Borges Pimenta – responsável pela produção geral -, em valorizar a riqueza do texto e a história contada, em todas as suas filigranas, nos apresentando o passo a passo de como se produzir mentiras sinceras e verdades amargas: o universo que permeia hoje as nossas redes sociais. Uma terra de ninguém na construção de narrativas, no endeusamento, na destruição de reputações, cancelamentos, polarizações e linchamentos públicos. Nada mais essencial, em nossa história atual, do que não acreditar de primeira em nenhuma história. Verificar sempre; e acolher sempre todos aqueles que precisam de apoio. Quantas vidas são ceifadas por puro engano. Devemos ter sempre respeito e empatia para com todos aqueles que sofrem por carregarem as suas já sofridas vidas.

Não percam o espetáculo que se encontra em temporada no Teatro Liberdade, em São Paulo, até o dia 30 de agosto, às sextas às 21h, sábados às 16h e às 20h e, Domingos às 16h.

Vendas: Site Sympla (com taxa de conveniência) | Bilheteria do Teatro

Fotografia Carlos Costa


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